Africana Studia nº40 - Línguas Nacionais mas não oficiais de África

Já se encontra disponível o nº 40 da Revista Africana Studia - Línguas Nacionais mas não oficiais de África

 

Índice

  • Editorial (pág.5)
  • Políticas linguísticas - problemas em aberto
    • Paulo Feytor Pinto - Línguas africanas e desenvolvimento humano (pág. 9)
    • Carlos J. Manuel - A necessidade de oficializar as línguas africanas em Moçambique: uma reflexão (pág. 17)
    • Sóstenes Rego - Línguas não oficiais de Moçambique. Necessidade da sua oficialização (pág. 29)
    • Crisófia Langa da Câmara - Ensino bilingue e a exclusão de minorias linguísticas em Moçambique: uma análise preliminar (pág. 45)
    • Fernando Mbiavanga - A formação de professores das línguas locais de Angola: regulação, estratégias e desafios (pág. 61)
  • Línguas não oficiais - dinâmicas em confronto
    • Monaim El Azzouzi - Oral Arts in the Riffian Amazigh Community: An Analysis of the Importance and Functions of Folk Riddles (pág. 81)
    • Amina Naciri-Azzouz - A Brief Overview of National Languages in Mauritania (pág. 93)
    • Gildas Igor Noumbou Tetam - Les langues locales dans les maquis du Sud-Cameroun (1956-1959) (pág. 103)
    • Eliette Ngo Tjomb Assembe e Moustapha Aliou Ridda - La dynamique des langues Camerounaises et Nigériennes en faveur du soft power et de la diplomatie (pág. 117)
    • David Alberto Seth Langa - Padrão linguístico de Moçambique: diglossia e línguas em perigo de extinção (pág. 127)
    • Tirsit Yetbarek Seme - Challenging the Myth of Language Homogeneity in the Somali Society (pág. 145)
  • Entrevista
    • Bento Sitoe (pág. 161)
  • Notas de leitura 
    • Maria Manuela Barbosa - Manuel Veiga. A Construção do Bilinguismo (pág. 177)
  • Resumos (pág. 165)
  • Legenda das ilustrações (pág. 177)

 

Editorial

Línguas nacionais mas não oficiais

 

A planificação linguística e a definição de políticas linguísticas não são processos ideo­logicamente neutros: são mecanismos que definem o lugar e funções das línguas na es­trutura social e, desse modo, determinam quem tem ou deve ter acesso ao poder político e aos recursos da sociedade. Esta natureza ideológica da planificação e política linguís­tica é particularmente evidente em contextos pós-coloniais onde as línguas ex-coloniais, como o Português, o Inglês ou o Francês, definidas como línguas de “unidade nacional”, se transformaram em veículos de mobilidade socioeconómica e símbolos de distinção social. Em contraste, as línguas nacionais e locais, as línguas primeiras da esmagado­ra maioria da população, mas (intencionalmente) confinadas a domínios informais, são conceptualizadas como fontes de divisionismo, retrógradas e desvalorizadas socialmente.

A escolha de línguas ex-coloniais como línguas oficiais e como meios exclusivos de ensino tem sido interpretada como uma estratégia das elites políticas para perpetuar o seu do­mínio, induzindo a que um grande número de cidadãos, incapaz de as adquirir e assim privado do respetivo capital cultural e social, tenha um menor sucesso escolar e depois menor participação na vida social. Assim se explica porque muitos pais, sobretudo das gerações mais jovens, optam por educar os seus filhos nas línguas ex-coloniais e muitas vezes em prejuízo das suas próprias línguas e culturas nativas. Trata-se de uma situação recorrente em todo o continente africano. A subalternização das línguas e saberes locais, a mudança linguística (language shift) – das línguas nativas para as línguas ex-coloniais – e a perda ou morte das línguas nacionais e locais são assim algumas das consequências das políticas monolingues.

O colapso dos regimes de partido único em África, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1980, contribuiu para a introdução de algumas mudanças discursivas, políti­cas e legislativas. Anteriormente um problema, o multilinguismo começou tardiamente a ser percebido como recurso. Na verdade, são as línguas marginalizadas que permitem fazer luz sobre culturas orais que, por razões históricas, não deixaram registos escritos. O caso da África subsariana é paradigmático desse apagamento intencional, programado e seletivo do seu passado, com perdas incalculáveis e irrecuperáveis não somente para essas mesmas sociedades como para toda a humanidade. A privação de toda uma criação humana, de uma forma particular de exprimir uma conceção do mundo, de um modo de expressar uma relação com a natureza e de uma das formas mais antigas de ver o mundo, que tem a ver com os primórdios de todos nós, está para a sociedade homogeneizada dos dias de hoje como a extinção progressiva das espécies para o que resta da biosfera. É, por­tanto, um imperativo civilizacional que as culturas e línguas de sociedades orais africanas sejam escritas, registadas em letra de forma e principalmente pelos próprios originários e diaspóricos dessas sociedades. Ainda que, em muitos casos, a prática não esteja em sintonia com os discursos, políticas e leis aparentemente favoráveis ao multilinguismo/

plurilinguismo, o (res)surgimento de programas de ensino bilingue, em línguas ex-colo­niais e línguas locais, incluindo em países que nunca tinham experimentado estes pro­gramas, como os Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs), pode ser tomado como evidência da introdução de janelas constitucionais e políticas que começam a acenar para o multilinguismo.

A história mostra que as ideologias e políticas linguísticas monolingues surgiram na Eu­ropa quando da construção de Estados-nação no qual a dominação das classes ligadas ao modo capitalista de produzir impunham, como condição sine qua non para a identi­dade e coesão nacionais, uma língua ou variedade linguística “padronizada”. O princípio nacionalista “um estado, uma nação, uma língua” sintetiza esta ideologia monolingue, depois transportada para as colónias onde ainda prevalece. Contudo e de modo aparen­temente paradoxal, enquanto as ex-metrópoles coloniais proclamam a sua abertura para a “viragem multilingue” (multilingual turn), no Sul pós-colonial, onde o multilinguismo/plurilinguismo era a norma pré-colonial, muitos aparelhos de estado continuam relutan­tes em reconhecer a riqueza do seu mosaico sociolinguístico. Simplesmente essa riqueza, ainda que reconhecida pela generalidade dos falantes dessas línguas, pela comunidade científica, por todos os que se interessam pelo património da humanidade e pelo fim das periferias culturais, é, como acontece a todos os objetos a quem a língua dá nome, uma riqueza subjetiva.

 

Os homens só atribuem às coisas um nome particular (genérico) porque já sabem que estas coisas servem para a satisfação das suas necessidades (...) chamam-lhes talvez “bens” ou outra coisa qualquer que mostre que eles usam essas coisas praticamente, que elas lhes são úteis e atribuem à coisa o carater de utilidade como se ela o possuísse por ela própria, embora, claro, um carneiro tenha dificuldade em considerar que faz parte das suas qualidades úteis o ser comestível para o homem.1

 

Para alargar essa visão subjetiva e reduzir o número de carneiros políticos, esta edição especial da Africana Studia procurou contestar o status quo: questionando as políticas linguísticas monolingues e sugerindo estratégias para uma maior valorização e manu­tenção das línguas Africanas, incluindo das menorizadas em processos ideológicos de hierarquização de entre as próprias línguas Africanas. A transmissão intergeracional das línguas Africanas, o seu uso na educação formal e a sua oficialização são algumas das estratégias que os autores sugerem.

A perspetiva comparada entre várias realidades do continente faz com que este dossier, apesar de se centrar na realidade de alguns PALOPs, tenha a pretensão de mostrar a di­mensão de uma realidade que urge transformar.

Feliciano Chimbutane*

Maciel Santos**

Sóstenes Rego***

  * Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique.
** CEAUP.
*** CEAUP.
1 Marx, Notas marginais ao tratado de Economia política de Alfred Wagner, 1977: II, 446.

 

Nº de registo: 124732
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ISSN: 0874-2375
DOI: https://doi.org/10.21747/0874-2375/afr
DOI Africana Studia n.º 37: https://doi.org/10.21747/0874-2375/afr40

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Conselho editorial/Editorial Board: Abdifatah Abdi, Aicha Janeiro, Amina Aty, Carla Delgado, Celina Silva, Egídia Souto, Ezra Nhampoca, Flora Oliveira, Francisco Topa, Maciel Santos, Manuela Barbosa, Mourad Aty, T. P. Wilkinson.

Venda online: http://www.africanos.eu/ceaup/loja.php
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Africana Studia é uma revista publicada com arbitragem científica.
Africana Studia é uma revista da rede Africa-Europe Group for Interdidisciplinary Studies
(AEGIS).


Capa: Aula de Matemática em Changana. Maputo, Moçambique, 2019. Foto: Projeto Voicing Participation: Linguistic Citizenship beyond Educational Policy.

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