Índice:
- António Custódio Gonçalves - Prefácio
- Adriano Moreira - Conferência Inaugural: A África Útil
- Adelino Torres - Islamismo: As Fronteiras de um conceito
- António Dias Farinha - O Sufismo e a Islamização da África Subsariana
- Jacinto Rodrigues - A corrente espiritual sufi no Islão como forma de compreensão em torno da universalidade e do diálogo
- Carlos Cardoso - As tendências actuais do Islão na Guiné-Bissau
- Eduardo Costa Dias - A Identidade Muçulmana kaabunké - Um processo de construção identitária sui generis na Senegâmbia
- Jorge Martins Ribeiro e Maciel Morais Santos - Comércio e Islamização na Guiné Portuguesa: aspectos da simbiose em 1908
- Francisco Proença Garcia - O Islão, as Confrarias e o Poder na Guiné (1963-1974)
- Fernando Amaro Monteiro - Moçambique, a década de 1970, e a corrente wahhabita, uma diagonal
- Felizardo Bouene - Moçambique: Islão e Cultura Tradicional
- János Riesz - Visages de l'Islam dans la littérature africaine de langue française au Sud du Sahara
- Francesco Zappa - Pour une approche islamologique aux langues africaines: les cas du Bambara au Mali
- Elói Ficquet - Le rituel du café, contribution musulmane à l'identité nationale éthiopienne
- José Horta - O Islão nos textos portugueses: Noroeste Africano (sécs. XV-XVII) - das repre sentações à História
- Jean-Claude Penrad - Commerce et religion: expansion et configurations de l'islam en Afrique orientale
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GONÇALVES (Org.), António Custódio. 2003. O Islão na África Subsariana. Papers of VI Colóquio Internacional "Identidades, Poderes e Etnicidades. O Islão na África Subsariana", 2004, at FLUP - Porto.
Do Prefácio
No âmbito dos trabalhos desenvolvidos pela linha de investigação "Estados, Poderes e Identidades na Africa subsariana", integrada na Unidade I&D, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, publicam-se as Actas do VI Colóquio Internacional "o Islão na África Subsariana", realizado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nos dias 8, 9 e 10 de Maio de 2003.
(...) A análise de temáticas, tais como identidades políticas, sociais e culturais, conflitualidades culturais, étnicas e religiosas, cidadanias, poderes e etnicidades, cooperação e desenvolvimento, produção cultural e novos mercados, políticas contra as pilhagens do património de África, por antropólogos, economistas, historiadores, linguistas, politólogos e sociólogos, especialistas em estudos africanos, foi importante, sobretudo pelo questionamento de algumas visões eurocêntricas do desenvolvimento em África e pelas rupturas metodológicas nas trajectórias e encruzilhadas de modelos conceptuais e teóricos.
A importância e a actualidade deste VI Colóquio foram manifestas, não apenas pela participação de reputados especialistas nacionais e estrangeiros em estudos africanos e em islamologia, como também pela análise crítica e ampla discussão científica. O dinamismo científico e o espírito de convivialidade têm constituído as características dominantes destes Colóquios. É a tradição de uma comunidade participativa, fundada na continuidade, na renovação e na abertura do diálogo, no confronto de perspectivas teóricas e metodológicas diversificadas.
Nas comunicações apresentadas neste Colóquio entrecruzaram-se duas perspectivas teóricas. A primeira assentou na ideia de que o mundo contemporâneo se encontra num processo de homogeneização económica e cultural, ancorada, já não em lutas de classes ou de territórios, mas em lutas de identidades que se concretizam no aumento de conflitos étnicos e religiosos. Assim, e neste contexto, os fundamentalismos culturais e religiosos exploram o sub-desenvolvimento, o desemprego, a pobreza e as desigualdades sociais. É nesta perspectiva que Samuel Huntington concebe os conflitos maiores do século XXI, centrados na oposição "the West and the Rest", ou seja, entre a civilização ocidental e os mundos islâmicos e confucionistas. Trata-se, como é evidente, de uma perspectiva redutora, pois ignora ou minimiza os grandes conflitos étnicos e religiosos, nomeadamente em África.
A segunda perspectiva acentuou a necessidade de repensar e realçar a distinção entre a vertente universalizante da modernidade e o isolamento das sociedades tradicionais, das comunidades rurais e das minorais étnicas culturais.
Assiste-se, hoje, a um processo de homogeneização, ligado a movimentos de mestiçagens culturais e religiosas, a inter-relações generalizadas com trajectos muito diversificados e uma história já longa de contactos de culturas, com afrontamentos e interacções, manifestas sobretudo no tempo das missões cristãs e das contra-missões que aquelas suscitaram. Este processo de interacção de culturas e religiões escapa, por vezes, ao poder dos Estados, enquadrando-se nos fenómenos de globalização. A expansão do Islão é disso um exemplo paradigmático.
Estas mutações colocam novos questionamentos à construção da cidadania e à gestão da democracia, ou seja, uma gestão, tanto mais ampla quanto possível, da diversidade, do reconhecimento dos outros e da alteridade. Ora, uma das características fundamentais desse conhecimento reside no diálogo com as outras religiões e culturas. Este diálogo é criador, no sentido de que integra grupos e movimentos regionais, religiosos, étnicos, linguísticos, de género e de movimentos a favor dos direitos humanos e da defesa da paz.
Hoje o centro único, integrador e hierarquizado á volta de um valor dominante que dava a sua legitimidade axiológica aos valores específicos, foi substituído por centros múltiplos, compósitos e efémeros, em que as fracturas sociais são cada vez mais desestruturantes e nas quais é evidente a subjugação das identidades culturais às leis do mercado.
Este Colóquio procurou ultrapassar o quadro "objectivista e essencialista" das definições estáticas e analisar, antes de mais, a centralidade das estratégias sociais e culturais, contrariando lógicas lineares, positivistas e tecnocratas das estratégias económicas; e analisar, igualmente, o confronto com a globalização e a multiculturalidade, ou seja, os movimentos reversíveis entre os particularismos da cultura religiosa e os valores universais da modernidade.
Três objectivos ou grandes eixos de reflexão pluridisciplinar atravessaram este Colóquio.
O primeiro referiu-se ao confronto com as mudanças culturais num mundo globalizado e individualizado que agudiza as rupturas sociais. Para minimizar os efeitos culturalmente totalizantes da globalização nos domínios das culturas e sociedades religiosas, tornou-se necessária a análise comparada dos sistemas normativos dos valores africanos, na conjugação da tradição e da modernidade.
O segundo convocou a temática da gestão da diversidade religiosa e da construção da cidadania que assegure a autonomia e o respeito pela diferença, pela alteridade, perante fenómenos avassaladores de burocratização, de fundamentalismos e de indústrias culturais e mediáticas que podem coarctar os direitos fundamentais e os princípios da igualdade. Neste contexto, torna-se imperioso o diálogo, não imposto mas proposto, e o caminho da tolerância sentida e vivida, certamente através de respostas múltiplas, divergentes e cruzadas.
O terceiro objectivo salientou o desafio histórico para a Europa que o Islão constitui. Donde a necessidade do reforço de novas configurações de solidariedades, na luta enérgica e sinérgica contra a exclusão, o racismo e a xenofobia, pela implementação de modelos de cooperação científica e cultural.
Desejamos que estas solidariedades, para lá das fronteiras nacionais, políticas ou ideológicas, sejam um marco privilegiado no aprofundamento do diálogo entre Portugal e África, nomeadamente nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, pela singularidade que os constitui e pela universalidade que os relativiza. Assim, este Colóquio pretendeu fazer uma análise profunda e transversal da diversidade de opiniões e dos olhares cruzados e plurais, com reflexões inovadoras e críticas sobre o passado e novos olhares sobre os desafios do presente e do futuro.