Africana Studia nº 27 - José Capela e a História de Moçambique: 45 anos depois de O VINHO PARA o PRETO

José Capela e a História de Moçambique: 45 anos depois de O VINHO PARA o PRETO

 

Índice:

  • Editorial (p. 5)
  • José Capela e a história de Moçambique: 45 Anos depois de O vinho para o preto
  • Representações de Moçambique na época moderna
    • Glória de Santana Paula - África do Sudeste nos relatos de naufrágios do século XVI - Para uma compreensão genealógica das categorias de representação geográfica e antropológica (p. 13) 
    • Ana Paula Wagner - Rotas e esfarrapadas: a precariedade da vida militar na Capitania de Moçambique e Rios de Sena no  século XVIII (p. 21)
  • Escravatura e tráfico de escravos em Moçambique
    • Margarida Seixas - Os conceitos de escravidão na obra de José Capela: uma leitura jurídica (p. 39)
    • Aurélio Rocha - Memórias da Diáspora: diálogos históricos entre Moçambique e as ilhas MAscarenhas (p. 51)
    • Carlos Gabriel Guimarães - O negócio do tráfico negreiro de João Rodrigues Pereira de Almeida, o Barão de Ubá, e da firma Joaquim Pereira de Almeida, em Moçambique, c. 1808-1829 (p. 67)
    • Regiane Augusto de Matos - Dinâmicas sociais no norte de moçambique no século XIX: escravidão, comércio, deslocamentos e mobilidade social (p. 81)
  • Transformações sociais - Moçambique na época contemporânea
    • Mário José Chitaúte Cumbe - Os Khokholo dos Chopi no contexto político dos finais do século XIX no sul de Moçambique (p. 97)
    • William G. Clarence-Smitch - Equids in Mozambique history: the role of zebras, donkeys, and their hybrids (p. 111)
    • M. F. Silva e Maciel Santos - Moçambique entre greves ferroviárias e "Modus Vivendi" (1920-1926) (p. 127)
    • João-Manuel Neves - O terror nas colónias como prelúdio do fascismo (p.149)
    • Eric Morier-Genoud - José Capela e a Igreja Católica (p. 167)
    • Augusto Nascimento - As vicissitudes políticas nas sucessivas vidas da Voz Africana em defesa dos africanos (p. 177)
    • Michel Cahen - A Renamo, um assunto para historiadores e cientistas sociais (p. 197)
  • José Capela e a historiografia de Moçambique
    • Jeanne Marie Penvenne - Moçambique pelo seu povo. Mozambique: Many People, MAny Stories. Contested MAsculinities &Gendered Perspectives (p. 207)
    • Martinho Pedro - José Capela, transversalidade de discursos e práticas em sistemas existenciais excludentes em Moçambique (p. 221)
    • Pedro Pereira Leite - O Kairós na análise do fenómeno da escravatura na obra de José Capela (p. 239)
  • Entrevista
    • Eduardo Medeiros (p. 257)
      • Entrevista Conduzida por Eugénio Rodrigues e Augusto Nascimento
  • África em Debate – Poderes e Identidades
    • Galina Sidorova e Igor HArichkin - Army in African countries in conditions of armed conflits (On the exemple of the Democratic Republic of Congo (p. 267)
  • Notas de leitura
    • René Pélissier - L'Ultramar intéresse-t-il les éditeurs portugais? (p. 281)
    • Jorge Ribeiro - José Capela, O tráfico de Escravos nos Portos de Moçambique 1717-1904 (p. 297)
  • Resumos (p. 303)
  • Legendas das ilustrações (p. 317)

  

Editorial 

Este número da Africana Studia reúne alguns dos textos apresentados no congresso de homenagem a José Capela (pseudónimo de José Soares Martins), José Capela e a história de Moçambique: 45 anos depois de O vinho para o preto, realizado em 29 e 30 de Maio de 2017, no Porto, numa organização conjunta do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, do Centro de História da Universidade de Lisboa, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa e do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. À organização do evento associaram-se, ainda, institucionalmente várias universidades moçambicanas – a Universidade Eduardo Mondlane, a Universidade do Lúrio e a Universidade Pedagógica – e, presencialmente, o Reitor desta universidade, Professor Doutor Jorge Ferrão, que abriu o debate sobre a importância da investigação de José Capela para o estudo da História de Moçambique. A participação neste evento de investigadores de várias nacionalidades, entre as quais a moçambicana, espelha não só o interesse crescente pela História de Moçambique, como também os afectos que José Capela espalhou do Índico ao Atlântico, do hemisfério sul ao hemisfério norte.

                Os textos que compõem este número especial da Africana Studia exploram questões da História de Moçambique e analisam o contributo de José Capela e da sua obra historiográfica para o nosso entendimento do passado e do presente de Moçambique. Sob diferentes perspectivas, Moçambique constitui o traço de união destes artigos, desde estudos de caso a textos de cariz ensaístico, todos eles tributários de várias disciplinas do saber social. Embora maioritariamente respeitantes aos séculos XIX e XX, alguns artigos debruçam-se sobre períodos históricos mais longínquos.

Na primeira secção, abordam-se as representações europeias sobre Moçambique no período moderno. Glória de Santana Paula analisa as imagens construídas pelos europeus, particularmente pelos portugueses, sobre os povos do Sudeste Africano, explorando as categorias de “cafre” e “cafraria”, tomadas das que circulavam no mundo suaíli. Ana Paula Wagner discute, para o século XVIII, os limites das políticas modernizantes da administração portuguesa para o exército que mantinha na colónia, destacando o seu fracasso, espelhado nas precárias condições materiais em que actuavam os soldados do regimento de Moçambique.

Na segunda secção, as questões centrais prendem-se com a escravatura e o tráfico de escravizados em Moçambique, ambos temas de eleição da historiografia de José Capela, com cuja obra os artigos presentes dialogam. Margarida Seixas analisa, no confronto com as normas jurídicas portuguesas sobre os escravos, os diversos conceitos e práticas de escravatura em Moçambique, considerando as sociedades locais e a construída pela antiga colonização portuguesa de Moçambique. Carlos Gabriel Guimarães volta-se para o estudo das ligações económicas entre Moçambique e o Brasil, focando os negócios dos comerciantes de escravos sediados no Brasil na década de 1820. As incidências do tráfico de escravos, que se prolongou até ao final do século XIX ou mesmo início do século XX, propiciaram a emergência de novas configurações políticas e sociais no território de Moçambique, resultantes da intensificação dos conflitos, como mostra Regiane Augusto de Mattos para a região norte. Mas, o tráfico de escravizados criou, igualmente, novos vínculos entre Moçambique e os territórios de destino, como as ilhas do Oceano Índico, processos analisados por Aurélio Rocha. Explorando essas conexões, o autor debruça-se sobre a formação de novas identidades dos escravizados oriundos da área de Moçambique na Reunião e nas Maurícias e o seu legado nestas ilhas.

A terceira secção congrega contributos sobre a história mais recente de Moçambique, destacando a dialéctica entre tradição e a inovação. Mário Cumbe discute o modo como, na região de Inhambane, múltiplos conflitos militares no final do século XIX obrigaram os Chopi a determinada organização do território, nomeadamente à criação de povoações fortificadas, designadas khokholo, equivalentes às aringas existentes noutras áreas de Moçambique, também elas estudadas por José Capela. Como que em resposta ao alerta de José Capela sobre a urgência de investigar a história material de Moçambique, William G. Clarence-Smith examina o papel dos equídeos na longa duração, desde um passado remoto até ao período pós-independência. Destacando as condições ambientais nos sucessivos fracassos no uso de zebras, mulas e cavalos, o autor descreve os seus usos militares e civis ao longo dos tempos. Miguel Silva e Maciel Santos focam a sua análise nas greves nos caminhos-de-ferro de Lourenço Marques, nas primeiras décadas do século XX, em articulação com construção do capital, português e internacional, em Moçambique. João-Manuel Neves, por sua vez, explora, a partir da literatura colonial, as relações entre a política de terror tendente à imposição de uma supremacia “racial” em Moçambique, entre 1890 e 1940, e a ascensão do fascismo em Portugal. Eric Morier-Genoud discute o papel histórico de José Capela, enquanto padre e jornalista do Diário de Moçambique na Beira assim como o seu contributo para a historiografia da igreja católica em Moçambique. Centrando-se, ainda na Beira, Augusto Nascimento estuda o jornal Voz Africana, editado Centro Africano de Manica e Sofala. Mostra como o jornal constituiu um veículo de afirmação de identidade e de reivindicação da igualdade face aos colonos, para o qual, numa fase posterior, José Capela acabou por contribuir ao dar voz aos africanos sob regime colonial. Partindo ainda da Beira e do que conceptualiza como o “norte político” de Moçambique, configurado a partir do “sul político” construído no período colonial e mantido após a independência, Michel Cahen discute a história política recente de Moçambique, alertando para a necessidade de tornar a Renamo e as suas bases sociais objecto de análise das ciências sociais.

 A última secção inclui artigos que abordam mais directamente os contributos inovadores da obra de José Capela para a História de Moçambique, iniciados ainda no ambiente ditatorial do Estado Novo e do regime colonial, como destaca Jeanne Marie Penvenne. Capela abordou temas que estavam negligenciados na historiografia sobre Moçambique e, de certa forma, inspirou outros historiadores a estudá-los. Na sua recolha emblemática de cartas dirigidas ao director do jornal Voz Africana, publicadas em 1971, no livro Moçambique pelo seu povo, ecoa as vozes dos africanos. O texto de Martinho Pedro parte de um dos últimos livros de José Capela, Moçambique pela sua história, para investigar como, por entre rupturas no processo político moçambicano do colonialismo ao pós-independência, subsistem continuidades, assim como modelos de subalternidade nas relações entre África e a Europa criados no período colonial. A partir da posição de José Capela sobre a necessidade de exorcizar os “mal-entendidos históricos” em torno do “encontro de culturas”, Pedro Pereira Leite reflecte sobre a importância da obra de José Capela, particularmente do Tráfico de escravos nos portos de Moçambique, na sua própria experiência como investigador da museologização das memórias do tráfico e da escravatura na Ilha de Moçambique, mostrando como se mantêm vivas as tensões em torno da relação colonial.

Finalmente, este número apresenta uma entrevista a Eduardo Medeiros, outro reputado investigador das sociedades de Moçambique e, igualmente, testemunha da sua história recente, experiência compartilhada, em diferentes momentos, com José Capela. A colaboração intelectual entre ambos mostra também as vantagens dos diálogos entre a história e a antropologia para o conhecimento da História de Moçambique, a qual, como argumenta Eduardo Medeiros, beneficiará do alargamento desse diálogo a outras ciências.

Ao longo da sua trajectória profissional, José Capela foi muito mais do que um historiador. Foi sacerdote, jornalista, editor e escritor. Também por isso, não será de mais salientar a sua vasta e diversificada obra, a seu tempo lida por públicos muito variados. Escrita por alguém que não era originalmente um profissional, mas que fez da história uma profissão, a sua obra teve virtudes proféticas, no sentido em que deu a conhecer as realidades calcadas pelo imobilismo repressivo da ditadura colonial[1]. A investigação inicial de José Capela sobre a História de Moçambique constituiu, como assinalou Valentim Alexandre, uma obra precursora do que viria a ser a vaga de estudos sobre a história colonial portuguesa em África. Os seus estudos podem, eventualmente, inspirar também os historiadores moçambicanos que investigam o período colonial e a trajectória de afirmação do Estado moçambicano. Como ele relatou, o livro O Vinho para o preto era um referente da consciencialização anti-colonialista da Frelimo no tempo da luta armada.

 

Eugénia Rodrigues e Augusto Nascimento*

 

* Centro de História da Universidade de Lisboa,

[1] Veja-se a recente abordagem da obra de José Capela feita por José Pimentel Teixeira, tendo em conta uma narrativa decantada em sucessivas gerações de intelectuais acerca de uma suposta índole portuguesa, “A especificidade portuguesa face à historiografia de José Capela” in http://www.academia.edu/33428757/A_especificidade_portuguesa_face_%C3%A0_historiografia_de_Jos%C3%A9_Capela, acesso: 17 de novembro de 2017.

  

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Capa: José Soares Martins na redação do Diário de Moçambique. Beira, c. 1956. Coleção particular da família de José Soares Martins.

 

Para leitura integral: https://ojs.letras.up.pt/index.php/AfricanaStudia/issue/view/518

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